Na década seguinte, tornou-se
óbvio o que sempre fora evidente: nenhum setor tinha estrutura para agir
sozinho nessa tarefa de equacionamento dos nossos problemas sociais. À
medida que espaços eram criados para "liberdade", "solidariedade", "cidadania",
"bem-estar", entre outros, o Estado, o mercado e o terceiro setor ensaiavam
um novo tipo de relação. A extrema necessidade de parcerias, devolvendo
esperança à sociedade, começava a despontar como determinante para o sucesso
das ações sociais.
Atualmente, vivemos um momento histórico,
representado pelo novo governo de fortes bases sociais e uma articulação
singular da sociedade civil. Afinal, não existe política social que
vigore sem um movimento engajado da sociedade. O cidadão consciente
consegue questionar direitos ao governo. Mais que isso, segundo o sociólogo
francês Pierre Bourdieu, somente os movimentos sociais civilizam a economia
de mercado, cooperando de maneira contumaz para o próprio dinamismo
e reciclagem do mesmo.
Atingimos um estágio de amadurecimento
dos três setores, mas é fundamental galgar um novo patamar deste desenvolvimento.
Há uma necessidade de compreensão, mais do que nunca, da importância
de maior articulação e parceria entre eles. Não podemos deixar este
momento de expectativa nacional, oportunidade rara de mobilização, passar,
sem que tenhamos avançado nesse sentido.
O terceiro setor depende de legitimidade
e sustentabilidade para desenvolver novos programas sociais. Parcerias
sérias, com órgãos governamentais e empresas de credibilidade, são a
base para o êxito de ações de ONGs, institutos, fundações. Postura isolacionistas
confrontam a verdadeira função integradora do setor.
É preciso que o governo desenvolva uma
política de relacionamento com o empresariado, para conseguir recursos
financeiros, apoio técnico, científico e intelectual e com o terceiro
setor, para se aproximar da comunidade, detectando necessidades e lideranças
locais.
O empresariado, por sua vez, deve investir
em uma postura verdadeiramente ética e transparente, visando o resgate
da cidadania e o respeito ao meio ambiente do qual depende. Na verdade,
estamos falando de uma grande rede que envolve governo, a iniciativa
privada e as universidades, que detêm o conhecimento. O grande desafio
porém é como coordenar e trazer o entendimento de que só a visão pro-ativa
e integrada de todos esses setores tornará o caminho mais curto e menos
penoso. Este deve ser o novo modelo de gestão capaz de conduzir à transformação
social.
A ética ressurgiu como a base das relações
entre empresas-cidadãs, sendo colocada em prática por meio de princípios
e valores adotados por cada uma dessas organizações. No entanto, para
que essa transformação se concretize, é primordial uma coerência entre
discurso e ação. Um esforço sério, consciente, que zele por um público
amplo, indo de acionistas a funcionários, prestadores de serviços a
consumidores, comunidade a meio-ambiente etc. Só através de uma conduta
responsável será possível a alavancagem de trabalhos de mobilização,
credibilidade e expansão de parcerias.
O estudioso norte-americano Lester Salamon,
da Universidade de Hopkins, já vem apontando há algum tempo que a responsabilidade
social não surgiu por simples benevolência empresarial, mas, antes de
tudo, pela necessidade crucial de estratégias de melhoria das condições
de vida das pessoas que trabalham nas empresas e, também, de soluções
para problemas da comunidade em que elas estão inseridas. É importante
ressaltar que isso não pode se confundir com marketing, mas com o papel
do empresário como transformador social e da empresa como seu instrumento.
A linha mestra das ações sociais deve
nascer de uma visão profunda da relação de interdependência entre "governo-empresa-homem-natureza".
Pode-se entender esta ligação como um ciclo natural, uma cadeia de ligação:
este é um princípio que deve ser cultivado.
Como empresário e instituidor de uma
Fundação que atua em todo o país, sei que podemos fazer ainda muita
coisa pelo Brasil. Só precisamos unir forças, experiências, idéias e
vontade. Esta não é uma ação do governo ou da sociedade civil, é de
todos nós.
Jornal Valor - 20 de agosto de 2003